1.
Dor nova
A viuvez. Dor ritual. O luto. O
sofrimento ostensivo. Condolências. Pêsames. Sentimentos e pesares. Cartões e
telegramas. Flores e cartas. Obituário. Mudança de estado. Também de vestuário.
Sai o vermelho entra o negro. Mudança de comportamento. Sai a tagarelice entra
o silêncio. Não necessariamente sofrido, mas sempre refletido e inundado de
lembranças multicoloridas. Missas. Corpo presente. Sétimo dia. Trigésimo dia.
Missa. Um ano. Finados. Com muito estardalhaço a alma se vai. “Segura na mão de
Deus e vai”. E vai bastante encomendada e recomendada. Em criança, ela imaginava
como se processariam, no céu, as intenções de uma missa. Havia visto professor
bater na porta de seu pai pedindo emprego com carta de recomendação a tiracolo.
E ao rezar por defunto, via, em sua mente, a alva figura de uma alma levantando
a pesada aldraba do céu com uma mão e, com a outra, segurando várias cartinhas:
uma para cada reza de criança. Outras maiores e mais pomposas: uma para cada
missa. Com espanto, percebeu que a ideia que, depois de viúva, fazia de tão
insondáveis mistérios em nada se distanciara daquela que formara quando mal
saída dos cueiros. “Até que morte os separe”. A viuvez.
2.
Dor antiga
A lembrança doloridazinha do ser
amado já há décadas sepultado. A raspa última do tacho: aquelas lágrimas que,
passada a convulsão maior da dor, esquecemo-nos de chorar. Essas retardatárias
lágrimas – conta-gotas, pingos pingados de goteira – a gente nunca deixa de
verter. Prantos silenciosos. Essas infinitesimais derradeiras lágrimas... Só
existem – parece – para conservar ardente a labareda do pesar, estranha chama.
É ela que vem apanhar a matriarca que, ali sentada, vê-se obrigada a culpar a
poeira. Habita igual modo o coração dos órfãos – agridoce relembramento: é
cicatriz, a bem dizer. Isso porque só a tem aquele que se curou de uma chaga,
mas tê-la não é o mesmo que gozar de pele imaculada.
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