Alguma Literatura

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O PSOLISMO E A SEGURANÇA PÚBLICA


“A intelligentsia tem tratado as conclusões de sua visão como axiomas a serem seguidos, em vez de hipóteses a serem testadas.
Alguns membros da intelligentsia tratam a própria realidade como subjetiva e ilusória, colocando, portanto, os modismos e as tendências intelectuais atuais no mesmo plano dos conhecimentos comprovados e da sabedoria destilada pela experiência de gerações.”
(Thomas Sowell. Os intelectuais e a sociedade)

Os psolistas proclamaram, em seu programa de governo[i], que “as altas taxas de criminalidade brasileiras confirmam que essa política de encarceramento em massa não contribui para a redução da criminalidade”. Como argumento a amparar essa tese, aduziram que “apesar do aumento da população carcerária, há também um crescimento das taxas de homicídio no Brasil” e que “o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo (CNJ/2014)”. Também propuseram “fortalecer e ampliar a política nacional de controle de armas e munições” como uma forma de reduzir a taxa de homicídios.
Aqui, analisaremos essas propostas e investigaremos o que o programa de governo do PSOL tem a nos dizer sobre o próprio psolismo.

1.  POR UM MUNDO SEM PRISÕES

Em 2014 o CNJ publicou um “Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil[ii]”. Ali está dito que, com 567.655 detentos, o Brasil possui a 4ª maior população carcerária do mundo. Na sequência, é apresentado um outro ranking mostrando que se computássemos os brasileiros em prisão domiciliar, o Brasil somaria 715.655 e ultrapassaria a Rússia, ficando, assim em 3º lugar. Mas na medida em que presos domiciliares não compõem a população carcerária, temos que não é verdade que o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo.
De qualquer forma, do fato de o Brasil possuir a 4ª maior população carcerária do mundo em números absolutos de detentos não decorre que “as altas taxas de criminalidade brasileiras confirmam que essa política de encarceramento em massa não contribui para a redução da criminalidade”.
Ora, sendo o Brasil o 5º país mais populoso do mundo, é natural que ele tenha a 4ª maior população carcerária. Como é natural que ele seja o 4º ou 5º país com maior número de canhotos; o 4º ou 5º com maior número de mulheres; o 4º ou 5º com maior número de pessoas que têm como cor favorita o amarelo e etc. O dado relevante não é, portanto, o número absoluto de detentos, mas o proporcional (detentos por 100 mil habitantes). Ao considerarmos esse número, veremos que de acordo com o ICPS[iii] o Brasil é apenas o 36º país com maior taxa de detentos. Mas também desse fato não decorre aquela conclusão.
E mais: a conclusão proclamada não encontra amparo na realidade brasileira. Nesse país, na verdade, constata-se uma clara correlação, nos estados, entre o aumento da taxa de encarcerados e a redução da taxa de homicídios. Vejamos.
Das 10 unidades federadas com maior taxa de encarcerados, 9 estão entre os 10 estados nos quais as taxas de homicídio mais diminuíram ou menos cresceram entre 2002 e 2012.
E, por outro lado, 7 das 10 unidades federadas com menor taxa de encarcerados estão entre os 10 estados nos quais houve um maior aumento das taxas de homicídio.

10 UF COM MAIOR TAXA DE DETENTOS
(Fonte: Anuário brasileiro de segurança pública[iv]. 2014. P. 64)
10 UF COM MAIOR DIMINUIÇÃO OU MENOR CRESCIMENTO DA TAXA DE HOMICÍDIO
(Fonte: Mapa da violência[v]. 2014. P. 38)
UF
TAXA
UF
VARIAÇÃO
AC
796,2
SP
-60,3%
MS
677,9
RJ
-50,0%
RO
642,7
PE
-32,3%
SP
630,8
RO
-22,3%
DF
594,5
MS
-16,4%
ES
525,6
ES
-7,6%
MT
494,8
MT
-7,1%
AP
476,5
RR
+1,4%
PE
469,9
AP
+2,5%
RR
468,5
AC
+7,1%
  



10 UF COM MENOR TAXA DE DETENTOS
(Fonte: Anuário brasileiro de segurança pública. 2014. P. 64)
10 UF COM MAIOR CRESCIMENTO DA TAXA DE HOMICÍDIO
(Fonte: Mapa da violência. 2014. P. 38)
UF
TAXA
UF
VARIAÇÃO
PI
135,4
RN
229,1%
BA
150,2
BA
221,6%
MA
150,5
MA
162,4%
AL
222,4
CE
136,7%
PA
231,6
PB
130,2%
RN
242,0
PA
126,9%
GO
258,1
AM
112,2%
RJ
290,4
AL
88,7%
TO
291,0
GO
80,9%
SE
296,6
TO
75,5%

Então, em face desses dados podemos concluir que, no Brasil, a evolução das taxas de detentos e homicídios nos estados demonstra que o encarceramento de pessoas que cometeram crimes tem contribuído sim para a redução da criminalidade.

2 .  POR UM MUNDO SEM ARMAS

O que é “controle de armas e munições”? Quando um ativista desarmamentista usa essa expressão ele não está se referindo apenas ao combate ao tráfico de armas ilegais. Os desarmamentistas no mundo todo almejam também, e principalmente, por uma redução do número de armas em circulação, o que passa por uma restrição do porte e da posse de armas legais. A ideia por traz disso é a de que as armas são a causa da violência, e não as pessoas que as usam.
O problema dessa ideia é que ela está equivocada.
Diversos levantamentos de dados apontam que “não há relação direta entre porte de armas e violência – até porque criminosos não usam armas legais[vi]”. Em 2011, por exemplo, os cinco estados mais armados do país (Acre, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina e Mato Grosso) responderam por apenas 9% dos homicídios[vii].
Então, restringir o porte de armas legais simplesmente não diminui o número de homicídios. Mas pelo contrário, se esse porte for concedido a agentes públicos bem treinados (como guardas municipais, por exemplo) é provável que haja uma queda do número de homicídios, na medida em que a presença física de agentes públicos armados inibe a ação de criminosos.

3 .  1.612.186 VÍTIMAS DE MAIS UM ENGODO IDEOLÓGICO-REVOLUCIONÁRIO

Mas como um discurso tão inconsistente nesse particular (falamos apenas de dois temas referentes à segurança pública) pôde seduzir tantos brasileiros nas últimas eleições (o partido angariou mais de um milhão e meio de votos em 2014)?
Eis a minha hipótese: para muitos eleitores do PSOL, a atratividade desse partido está na sua “pureza ideológica”. Esse partido conquistou, penso, o voto de eleitores convictos de que o problema do PT é ele não ser suficientemente esquerdista, ou, ao longo dos anos, ter perdido o seu viés ideológico, cedendo demais, negociando demais, fazendo política demais. Boa parte do eleitorado psolista, aparentemente, não quer a política (que é a arte do possível), mas a revolução (a busca do impossível). E a mentalidade revolucionária, por definição, repudia a tradição ao mesmo tempo em que propõe fórmulas nunca antes testadas que conduziriam a um “mundo melhor”. O revolucionário, portanto, é alguém que compra um punhado de dogmas.
No caso da segurança pública, um dos dogmas é o seguinte: “Um mundo sem presídios nos trará um mundo sem crimes”. O objetivo último de esvaziar as prisões, diga-se, consta expressamente do programa de governo psolista: “Tudo isso visando um gradual esvaziamento das prisões”, é o que lá está escrito. Um outro dogma é o de que “Um mundo sem armas nos trará um mundo sem crimes”
Como se a abertura, nesse exato segundo, de todas as celas do Brasil ou a destruição de todas as armas produzissem o efeito imediato de reduzir a criminalidade. Mas essas hipóteses, como visto, não encontram amparo na realidade brasileira. Elas tampouco se harmonizam com o mais rasteiro senso comum advindo da experiência mundana que diz: “Se aqueles que cometem crimes estiverem soltos, mais crimes serão cometidos” e “Se aqueles que cometem crimes forem os únicos que possuem armas, mais crimes serão cometidos”.
Mas é claro que perspectivas revolucionárias, como a psolista, não possuem compromissos seja com os dados da realidade, seja com a experiência acumulada pelas gerações passadas.
O revolucionário, ávido pela construção de um “Mundo melhor”, só está comprometido com a própria revolução. Suas ações, ideias e propostas – ele entende – não podem ser julgadas analisadas ou discutidas em confronto com os dados do mundo real. Seus ideais são tão puros, suas motivações tão justas e elevadas, que o único tribunal apto a julgá-lo, delira, é o da posteridade.
Por isso, creio que só poderemos compreender bem a mente dos psolistas se considerarmos que quando eles dizem que o modo de se reduzir a criminalidade é, dentre outras coisas, reduzindo a taxa de encarcerados; eles não estão propondo uma hipótese a ser testada, mas proclamando, como já dito, um dogma, um axioma, uma verdade de tal modo absoluta e arrebatadora que prescinde de qualquer demonstração empírica. Aqueles de coração puro a aceitarão. Já aqueles comprometidos com a manutenção dos privilégios das classes dominantes se levantarão contra ela. Sim, isso mesmo! Estamos diante da boa e velha luta do bem contra o mal. Em suma, o revolucionário se julga um ser superior moralmente.
Outra observação que pode nos ajudar a entender a mente do psolista é a seguinte. Para ele não existe qualquer coisa que possa ser chamada de realidade objetiva. O que existem são versões: diversas percepções subjetivas de uma dada realidade. Percepções essas, é claro, comprometidas com certos interesses de classe.
Ceticismo extremo quanto aos fatos e absoluta credulidade quanto à superioridade dos seus próprios valores. Essa é uma combinação perigosa, na medida em que predispõe as pessoas a seguirem líderes carismáticos mesmo diante de indícios, evidências ou até mesmo provas a apontarem os equívocos de suas ideias ou ações. “Ora, o líder é bom e justo. Esse dado é incontestável!” (aí está a credulidade) “Portanto, essas acusações e críticas só podem ser intriga da oposição embasada em uma triagem maliciosa e tendenciosa de certos fatos!” (aí está o ceticismo).
Eleitores do PSOL, a cura para os erros da ideologia não está em mais ideologia (de esquerda ou de direita), mas na sua negação. E, por fim, para termos um mundo sem presídios e sem armas, precisamos ter, antes, um mundo sem crimes; e não o contrário. 

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