“A intelligentsia tem tratado as conclusões
de sua visão como axiomas a serem seguidos, em vez de hipóteses a serem
testadas.
Alguns
membros da intelligentsia tratam a
própria realidade como subjetiva e ilusória, colocando, portanto, os modismos e
as tendências intelectuais atuais no mesmo plano dos conhecimentos comprovados
e da sabedoria destilada pela experiência de gerações.”
(Thomas
Sowell. Os intelectuais e a sociedade)
Os psolistas proclamaram, em seu programa de
governo[i], que “as altas taxas de
criminalidade brasileiras confirmam que essa política de encarceramento em
massa não contribui para a redução da criminalidade”. Como argumento a amparar
essa tese, aduziram que “apesar do aumento da população carcerária, há também
um crescimento das taxas de homicídio no Brasil” e que “o Brasil tem a 3ª maior
população carcerária do mundo (CNJ/2014)”. Também propuseram “fortalecer e
ampliar a política nacional de controle de armas e munições” como uma forma de
reduzir a taxa de homicídios.
Aqui, analisaremos essas propostas e
investigaremos o que o programa de governo do PSOL tem a nos dizer sobre o
próprio psolismo.
1. POR
UM MUNDO SEM PRISÕES
Em 2014 o CNJ publicou um “Novo Diagnóstico
de Pessoas Presas no Brasil[ii]”. Ali está dito que, com
567.655 detentos, o Brasil possui a 4ª maior população carcerária do mundo. Na
sequência, é apresentado um outro ranking mostrando que se computássemos os
brasileiros em prisão domiciliar, o Brasil somaria 715.655 e ultrapassaria a
Rússia, ficando, assim em 3º lugar. Mas na medida em que presos domiciliares
não compõem a população carcerária, temos que não é verdade que o Brasil tem a
3ª maior população carcerária do mundo.
De qualquer forma, do fato de o Brasil
possuir a 4ª maior população carcerária do mundo em números absolutos de
detentos não decorre que “as altas taxas de criminalidade brasileiras confirmam
que essa política de encarceramento em massa não contribui para a redução da
criminalidade”.
Ora, sendo o Brasil o 5º país mais populoso
do mundo, é natural que ele tenha a 4ª maior população carcerária. Como é
natural que ele seja o 4º ou 5º país com maior número de canhotos; o 4º ou 5º
com maior número de mulheres; o 4º ou 5º com maior número de pessoas que têm
como cor favorita o amarelo e etc. O dado relevante não é, portanto, o número
absoluto de detentos, mas o proporcional (detentos por 100 mil habitantes). Ao
considerarmos esse número, veremos que de acordo com o ICPS[iii] o Brasil é apenas o 36º
país com maior taxa de detentos. Mas também desse fato não decorre aquela
conclusão.
E mais: a conclusão proclamada não encontra
amparo na realidade brasileira. Nesse país, na verdade, constata-se uma clara
correlação, nos estados, entre o aumento da taxa de encarcerados e a redução da
taxa de homicídios. Vejamos.
Das 10 unidades federadas com maior taxa de
encarcerados, 9 estão entre os 10 estados nos quais as taxas de homicídio mais
diminuíram ou menos cresceram entre 2002 e 2012.
E, por outro lado, 7 das 10 unidades
federadas com menor taxa de encarcerados estão entre os 10 estados nos quais
houve um maior aumento das taxas de homicídio.
10 UF COM MAIOR TAXA DE DETENTOS
(Fonte: Anuário brasileiro de segurança
pública[iv].
2014. P. 64)
|
10 UF COM MAIOR DIMINUIÇÃO OU MENOR
CRESCIMENTO DA TAXA DE HOMICÍDIO
(Fonte: Mapa da violência[v].
2014. P. 38)
|
||
UF
|
TAXA
|
UF
|
VARIAÇÃO
|
AC
|
796,2
|
SP
|
-60,3%
|
MS
|
677,9
|
RJ
|
-50,0%
|
RO
|
642,7
|
PE
|
-32,3%
|
SP
|
630,8
|
RO
|
-22,3%
|
DF
|
594,5
|
MS
|
-16,4%
|
ES
|
525,6
|
ES
|
-7,6%
|
MT
|
494,8
|
MT
|
-7,1%
|
AP
|
476,5
|
RR
|
+1,4%
|
PE
|
469,9
|
AP
|
+2,5%
|
RR
|
468,5
|
AC
|
+7,1%
|
10 UF COM MENOR TAXA DE DETENTOS
(Fonte: Anuário brasileiro de segurança
pública. 2014. P. 64)
|
10 UF COM MAIOR CRESCIMENTO DA TAXA DE
HOMICÍDIO
(Fonte: Mapa da violência. 2014. P. 38)
|
||
UF
|
TAXA
|
UF
|
VARIAÇÃO
|
PI
|
135,4
|
RN
|
229,1%
|
BA
|
150,2
|
BA
|
221,6%
|
MA
|
150,5
|
MA
|
162,4%
|
AL
|
222,4
|
CE
|
136,7%
|
PA
|
231,6
|
PB
|
130,2%
|
RN
|
242,0
|
PA
|
126,9%
|
GO
|
258,1
|
AM
|
112,2%
|
RJ
|
290,4
|
AL
|
88,7%
|
TO
|
291,0
|
GO
|
80,9%
|
SE
|
296,6
|
TO
|
75,5%
|
Então, em face desses dados podemos concluir
que, no Brasil, a evolução das taxas de detentos e homicídios nos estados
demonstra que o encarceramento de pessoas que cometeram crimes tem contribuído
sim para a redução da criminalidade.
2 . POR
UM MUNDO SEM ARMAS
O que é “controle de armas e munições”?
Quando um ativista desarmamentista usa essa expressão ele não está se referindo
apenas ao combate ao tráfico de armas ilegais. Os desarmamentistas no mundo
todo almejam também, e principalmente, por uma redução do número de armas em
circulação, o que passa por uma restrição do porte e da posse de armas legais.
A ideia por traz disso é a de que as armas são a causa da violência, e não as
pessoas que as usam.
O problema dessa ideia é que ela está
equivocada.
Diversos levantamentos de dados apontam que
“não há relação direta entre porte de armas e violência – até porque criminosos
não usam armas legais[vi]”. Em 2011, por exemplo,
os cinco estados mais armados do país (Acre, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa
Catarina e Mato Grosso) responderam por apenas 9% dos homicídios[vii].
Então, restringir o porte de armas legais
simplesmente não diminui o número de homicídios. Mas pelo contrário, se esse
porte for concedido a agentes públicos bem treinados (como guardas municipais,
por exemplo) é provável que haja uma queda do número de homicídios, na medida
em que a presença física de agentes públicos armados inibe a ação de
criminosos.
3 . 1.612.186
VÍTIMAS DE MAIS UM ENGODO IDEOLÓGICO-REVOLUCIONÁRIO
Mas como um discurso tão inconsistente nesse
particular (falamos apenas de dois temas referentes à segurança pública) pôde
seduzir tantos brasileiros nas últimas eleições (o partido angariou mais de um
milhão e meio de votos em 2014)?
Eis a minha hipótese: para muitos eleitores
do PSOL, a atratividade desse partido está na sua “pureza ideológica”. Esse
partido conquistou, penso, o voto de eleitores convictos de que o problema do
PT é ele não ser suficientemente esquerdista, ou, ao longo dos anos, ter
perdido o seu viés ideológico, cedendo demais, negociando demais, fazendo
política demais. Boa parte do eleitorado psolista, aparentemente, não quer a
política (que é a arte do possível), mas a revolução (a busca do impossível). E
a mentalidade revolucionária, por definição, repudia a tradição ao mesmo tempo
em que propõe fórmulas nunca antes testadas que conduziriam a um “mundo
melhor”. O revolucionário, portanto, é alguém que compra um punhado de dogmas.
No caso da segurança pública, um dos dogmas é
o seguinte: “Um mundo sem presídios nos trará um mundo sem crimes”. O objetivo
último de esvaziar as prisões, diga-se, consta expressamente do programa de
governo psolista: “Tudo isso visando um gradual esvaziamento das prisões”, é o
que lá está escrito. Um outro dogma é o de que “Um mundo sem armas nos trará um
mundo sem crimes”
Como se a abertura, nesse exato segundo, de
todas as celas do Brasil ou a destruição de todas as armas produzissem o efeito
imediato de reduzir a criminalidade. Mas essas hipóteses, como visto, não
encontram amparo na realidade brasileira. Elas tampouco se harmonizam com o
mais rasteiro senso comum advindo da experiência mundana que diz: “Se aqueles
que cometem crimes estiverem soltos, mais crimes serão cometidos” e “Se aqueles
que cometem crimes forem os únicos que possuem armas, mais crimes serão
cometidos”.
Mas é claro que perspectivas revolucionárias,
como a psolista, não possuem compromissos seja com os dados da realidade, seja
com a experiência acumulada pelas gerações passadas.
O revolucionário, ávido pela construção de um
“Mundo melhor”, só está comprometido com a própria revolução. Suas ações,
ideias e propostas – ele entende – não podem ser julgadas analisadas ou
discutidas em confronto com os dados do mundo real. Seus ideais são tão puros,
suas motivações tão justas e elevadas, que o único tribunal apto a julgá-lo,
delira, é o da posteridade.
Por isso, creio que só poderemos compreender
bem a mente dos psolistas se considerarmos que quando eles dizem que o modo de
se reduzir a criminalidade é, dentre outras coisas, reduzindo a taxa de
encarcerados; eles não estão propondo uma hipótese a ser testada, mas
proclamando, como já dito, um dogma, um axioma, uma verdade de tal modo
absoluta e arrebatadora que prescinde de qualquer demonstração empírica.
Aqueles de coração puro a aceitarão. Já aqueles comprometidos com a manutenção
dos privilégios das classes dominantes se levantarão contra ela. Sim, isso
mesmo! Estamos diante da boa e velha luta do bem contra o mal. Em suma, o
revolucionário se julga um ser superior moralmente.
Outra observação que pode nos ajudar a
entender a mente do psolista é a seguinte. Para ele não existe qualquer coisa
que possa ser chamada de realidade objetiva. O que existem são versões:
diversas percepções subjetivas de uma dada realidade. Percepções essas, é
claro, comprometidas com certos interesses de classe.
Ceticismo extremo quanto aos fatos e absoluta
credulidade quanto à superioridade dos seus próprios valores. Essa é uma
combinação perigosa, na medida em que predispõe as pessoas a seguirem líderes
carismáticos mesmo diante de indícios, evidências ou até mesmo provas a
apontarem os equívocos de suas ideias ou ações. “Ora, o líder é bom e justo.
Esse dado é incontestável!” (aí está a credulidade) “Portanto, essas acusações
e críticas só podem ser intriga da oposição embasada em uma triagem maliciosa e
tendenciosa de certos fatos!” (aí está o ceticismo).
Eleitores do PSOL, a cura para os erros da
ideologia não está em mais ideologia (de esquerda ou de direita), mas na sua
negação. E, por fim, para termos um mundo sem presídios e sem armas, precisamos
ter, antes, um mundo sem crimes; e não o contrário.
[iii]http://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/prison_population_rate?field_region_taxonomy_tid=All
[iv] http://www.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/8o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica
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