Otávio Nicanor
Não tem aparecido para trabalhar.
Odete, do almoxarifado, jura tê-lo visto
com os pedintes da praça XV, carregando sua maleta como sempre fazia (jogada
sobre as costas, à moda de mochila). Na mão, uma garrafa vazia. Cachaça? Ana, do
RH, insiste que o mendigo novo não é Otávio: “Ele tem frequentado sim a praça,
mas tocando zabumba ao lado do sanfoneiro Almir, o Bocarra...” Já Tavares, da
recepção, não entende o motivo de tanto alarde, pois dá como certo que ele passa
pela portaria todo dia de manhã, e de tarde: “Normal. Malinha nas costas. Só
estranho a catinga de cachaça...” Paulo, seu chefe imediato, confessa não tê-lo
visto recentemente, embora possa demonstrar com planilhas e estatísticas um
considerável aumento de sua produtividade.
Em razão das conflitantes versões,
sindicância foi instaurada. A conclusão: Otávio ostenta um particular estado.
Algo entre a presença e a ausência. Resolveu-se, assim, seguir pagando-lhe
metade do salário. A sua esposa o recebe.
Essa, ao acordar, colhe pela casa os
rastros de sua passagem: Lençóis revoltos, toalha molhada, café, talheres,
perfume, pingos de urina no assento do vaso. Aos domingos, os sons do futebol
tomam a casa. “Quem ligou a TV?” Casada com os vestígios de um homem, ela tem
convivido com o assédio de pretendentes incrédulos: “Por que ninguém acredita
quando digo que sou feliz com meu casamento?”
Rapaz, que primor. Por esses desleixos, tinha passado batido para mim o seu comentário no meu blog e um convite para vir aqui, mas hoje, relendo postagens mais antigas, encontrei e vim conhecê-lo; ótimo conto, muito criativo e inteligente. Não é meu estilo. Uso muito menos a imaginação quando escrevo, mas aprecio, aliás, admiro essa virtude. Meus parabéns, sem dúvidas um prazer conhecê-lo.
ResponderExcluir