1.
Ideologia esquerdista e dogmatismo
Não há dúvida de que o
pensamento abstrato é importantíssimo para o conhecimento humano, e que as
especulações da física teórica, por exemplo, prometem legar à humanidade uma
compreensão mais ampla da realidade.
Também na política a
especulação é essencial. Daí a importância da Filosofia Política, a qual,
todavia, muito difere da Prática Política.
Mas temos que observar
o seguinte: Quando um cientista (um químico ou físico, por exemplo) formula uma
teoria e se compromete em testar empiricamente as consequências que dela
derivam (as suas previsões) ele assume, implicitamente, a possibilidade de sua
tese ser falsa (ou incompleta). Assim o é porque os experimentos poderão
confirmá-la ou rechaçá-la (total ou parcialmente).
O problema de se
transpor esse modo de pensar para a Política Prática é que não existe um
laboratório no qual as teorias políticas possam ser testadas.
Um dos erros do
Socialismo é o de não preservar as fronteiras entre essas duas áreas do saber,
levando, com isso, para a Política Prática, um certo dogmatismo próprio da
Filosofia Política (e que talvez seja fruto da busca pela verdade que é própria
da filosofia).
A premissa do
socialista de que seria possível testar as teorias políticas em um grande
laboratório chamado História não se sustenta, eis que essa grande arena de
eventos coloca em prova não as ideias, mas – quando muito – apenas as práticas
humanas. E ainda assim, o “laboratório da História” de modo algum satisfaria os
requisitos metodológicos exigidos de um experimento científico. É que quando
tratamos de eventos históricos desenrolados ao longo de décadas, séculos ou até
milênios, deparamo-nos com uma infinidade de variáveis, as quais não podem ser
isoladas ou manipuladas.
O erro mais profundo
que cometemos ao fundirmos a Filosofia Política com a Prática Política está,
portanto, em abordarmos a Política de um modo cientificista (adotando os
parâmetros das ciências naturais, o que conduz inevitavelmente a um beco sem
saída).
Uma proposta de ação
política fundada em ideias abstratas e indemonstráveis. Essa é, pois, uma boa
definição para ideologia. Ou, de um modo mais sintético, poderíamos afirmar que
ideologia é o mesmo que fundamentalismo político. Parece evidente que posições
dogmáticas e fundamentalistas não são um terreno promissor para a construção de
uma experiência política democrática, eis que a tomada de decisões demandaria a
formação de improváveis zonas de consenso entre posições ideológicas
antagônicas.
Mas dado que essa
evidência não tem bastado para afastar a ideologia da política, cremos que algo
deve ser dito sobre o apelo que a ideologia ainda tem para alguns eleitores e
políticos; e sobre porque esse apelo não deveria seduzir nem esses nem tampouco
aqueles.
Alguns eleitores
acreditam que um político comprometido com certas bandeiras ideológicas seria
mais previsível e menos suscetível a desvios de conduta. A ideologia balizaria,
limitaria ou condicionaria as suas ações. No limite, a ideologia seria quase
que um substituto para a ética: e não por acaso, a carga semântica da palavra
“idealista” tem se aproximado cada vez mais de “íntegro” ou “correto”. No
entanto, o que tende a acontecer é justamente o contrário. O comprometimento
ideológico se assemelha mais com um cheque em branco do que com uma coleira. Isso ocorre porque o voto do
idealista acaba por conferir ao político a tarefa de “lutar” pela implementação
de um dado resultado. Nesse afã, subentende-se, o político poderá (e, por que
não, deverá) tomar todas as medidas necessárias à sua implementação. Ora,
claramente a concessão implícita de poderes indefinidos longe de restringir,
amplia o campo de atuação do político o qual, se porventura vier a ser
surpreendido por seus correligionários cometendo um ato censurável, sempre
poderá argumentar que “para se fazer uma omelete temos que quebrar alguns
ovos...”. E o apelo da política ideológica para os políticos é o seguinte:
Quando a ação política tem como fundamento uma ideologia e como compromisso
realizar uma revolução lenta e gradual em direção a um “mundo melhor” o político
garante, é o que ele imagina, a mobilização de suas bases por um longo período
de tempo, posto que por mais que se trabalhe e por mais que os resultados
positivos venham, o paraíso prometido estará sempre muito distante. Sempre
haverá muito trabalho por fazer. É dizer; a luta sempre continuará. Todavia,
com o tempo ficará evidente para os militantes que o resultado final está mais
longe do que eles imaginavam e que, portanto, será necessário ir mais rápido em
direção à meta. É nesse ponto que o político idealista moderado é substituído,
em uma democracia, por um idealista mais radical.
2.
A religião esquerdista
Mas as diversas formas
de esquerdismo não oferecem ao ativista apenas um sistema dogmático de crenças
indemonstráveis, mas também uma verdade (ou uma revelação) salvífica. Não se
trata, portanto, apenas de um dogmatismo abstrato, mas de um dogmatismo que
conduziria a um paraíso na Terra, paraíso esse – o fim da história – que
geralmente é designado pela expressão “Mundo melhor”. E mais, tal ideologia
demanda do “convertido” ações concretas no mundo real. É que dadas a urgência
das mudanças a serem feitas e a justiça das causas recém-assumidas, uma vez que
o sujeito se compromete com aqueles votos dogmáticos, o engajamento quase que
se impõe. Ao final do processo, o iniciado exercerá o seu sacerdócio, o qual
chamará de “militância”, em uma estrutura altamente organizada e hierarquizada,
o Partido ou o Movimento, que estão para o esquerdista assim como a Igreja está
para o religioso, sob o comando decisivo e centralizador de um líder
carismático.
Diante desses
paralelos, cremos que Russell Kirk tem um bom caso quando aponta que um dos
vícios da ideologia como um todo (o que inclui as ideologias esquerdistas, mas
não apenas elas) é o fato de ela ser uma religião invertida. Ora, existem bons
motivos para defendermos que o Estado não deve impor ao indivíduo uma certa
concepção abrangente de bem (seja ela religiosa ou secular). E Hayek vai ao
âmago do problema ao lembrar que “a liberdade individual é inconciliável com a
supremacia de um objetivo único a que a sociedade inteira tenha de ser
subordinada de uma forma completa e permanente” (O caminho da servidão). E, com
efeito, temos observado nos países que abraçaram ideologias utópicas como o
comunismo que os objetivos revolucionários foram utilizados sistematicamente
para justificar o silenciamento, quando não o aniquilamento físico, dos
dissidentes. Neles nunca houve a necessidade de se sopesar visões de mundo
antagônicas, dado que além de monopolizar a economia, o Estado acabara por
exercer também um monopólio sobre a verdade, que convenientemente coincidia com
a propaganda oficial. O fim da liberdade de expressão, desse modo, não tem sido
um acidente em que os regimes esquerdistas inadvertidamente (e repetidamente!)
têm incorrido. Trata-se, sim, de uma consequência inevitável desses mesmos
regimes. As constantes tentativas, no Brasil, de policiamento da grande mídia
(vide a proposta de “democratização” dos meios de comunicação) demonstram que
não é apenas o esquerdista francamente totalitário que vê na imprensa-livre um
obstáculo a ser removido.
Por tudo isso, é
evidente que a separação entre Estado e Igreja é um avanço. No entanto, as
expectativas criadas com a garantia de que o Estado será laico não são
plenamente atendidas quando, a despeito de laico, ele é ideológico. Por isso,
ao criticarmos o esquerdismo apontando
que se trata de uma “religião invertida”, estamos a enfatizar o perigo que
existe no substantivo e não no adjetivo.
As críticas feitas ao
esquerdismo nesses dois itens (ao seu dogmatismo metodologicamente defeituoso e
ao seu caráter messiânico) foram sintetizadas por Russell Kirk, e ele se
referia à ideologia como um todo, do seguinte modo: “A ideologia oferece uma
imitação de religião e uma filosofia fraudulenta, confortando, dessa forma,
aqueles que perderam, ou que nunca tiveram, uma fé religiosa genuína e aqueles
que não possuem inteligência suficiente para aprender filosofia de verdade” (A
política da Prudência).
No Brasil de hoje, o
petismo se apresenta como um excelente objeto de estudo para aqueles
interessados no funcionamento das ideologias esquerdistas. É dessa fonte
inesgotável que retiraremos os exemplos práticos que ilustrarão a seção
seguinte, destinada a algo que, na falta de expressão melhor, designaremos de
“retórica”.
3.
A retórica esquerdista
Bastam alguns poucos
segundos de diálogo para percebermos que conversamos com um esquerdista.
Isso porque o credo
esquerdista tem se popularizado em uma versão “fast food”. Um sistema fechado de cacoetes verbais que,
uma vez assimilado, confere mesmo ao militante com a mais parca educação o
incrível poder de falar infinitamente em defesa do Movimento ou do Partido, não
importando o quão numerosas sejam as provas dos crimes desse mesmo Movimento ou
Partido. Os filósofos dos cafés, os intelectuais de boteco e, mais
recentemente, os militantes de ambientes virtuais (MAVs) difundiram-no com uma
eficiência tal que hoje ele é tão onipresente quanto invisível. Particularmente
nas universidades, ele é como o próprio ar que se respira.
O seu papel, no jogo
político, é o de ludibriar os incautos e fornecer ferramentas retóricas aos já
convertidos.
Cabe aqui mencionar
alguns desses rodopios verbais e como eles se relacionam com o credo dogmático
e a narrativa messiânica adotados pelos militantes ungidos.
Dentre os truques
retóricos mais frequentes estão os seguintes:
(1) Redução dos
argumentos dos dissidentes a meros sentimentos. É evidente que muitas das
decisões que tomamos diariamente baseiam-se, em uma certa medida, em
sentimentos. Por isso, as conexões entre sentimento (elevados ou sórdidos) e
posições políticas devem ser reconhecidas sempre que existentes. Tal
reconhecimento, todavia, está muito longe da identificação reducionista que
certos petistas costumam fazer entre o antipetismo e o ódio[i]. De
acordo com a cartilha retórica petista, não se pode nunca admitir que o crítico
do governo traz ao debate razões fundadas em fatos. Nada disso! Quem critica o
governo o faz porque tem muito ódio no seu negro coração e, mais do que tudo,
odeia o PT. Utilizando-se desse mesmo recurso, um militante “progressista”
responderá a uma tese de doutorado que critica o sistema de quotas raciais para
ingresso nas universidades com uma única frase: “Quem escreveu isso odeia os
negros”. Trata-se, evidentemente, de um desvio de foco; de um tipo de
estratégia diversionista, da qual trataremos a seguir.
(2) Uso do
diversionismo para impedir a análise dos argumentos contrários. É impossível
que se toque no assunto do mensalão com um petista sem que esse, triunfante,
jogue na mesa o seu coringa: “E o mensalão tucano?” Do mesmo modo, uma das
“defesas” das “pedaladas fiscais” que os petistas costumam apresentar é a de
que também FHC as praticou. Outro exemplo de diversionismo é o seguinte: em vez
de refutar a alegação de que a presidente praticou crime de responsabilidade (o
que conduz ao impeachment) o militante questiona: “O impeachment da presidente
resolverá os problemas do Brasil?”
Todavia, a Lei não estabelece que haverá impeachment apenas se essa for
a solução de todos os problemas do país, e sim que ele é cabível se
caracterizado crime de responsabilidade. Ora, se você que está lendo esse texto
fosse acusado de um crime, um homicídio, por exemplo, e fosse chamado a se
explicar perante as autoridades, você mudaria de assunto, falando que outras
pessoas matam, e que Júlio César e Napoleão mataram muitas pessoas e ainda
assim são considerados heróis, ou responderia a acusação que lhe é feita? Falar
que todos roubam ou que muitos roubaram está muito longe de justificar a
prática de um roubo atual.
(3) Ataque ao
mensageiro e não à mensagem. É a boa e velha falácia ad hominem. Ora, mesmo
um relógio quebrado está certo duas vezes por dia. Por isso, aquele que, de
boa-fé, se debruçar sobre um dado argumento para analisá-lo não deverá se
preocupar com quem o formulou, mas com o argumento em si; sua consistência
lógica, a precisão do seu substrato fático e sua razoabilidade. É dessa falácia
que vem a imagem distorcida e monstruosa que os esquerdistas pintam do seu
oponente. Depois de ouvir o discurso de um desses “progressistas”, os mais
impressionáveis deixarão o recinto convictos de que os malvados “coxinhas”
conseguem realizar a façanha de reunir todos os vícios conhecidos do mundo e
mais aqueles que ainda serão inventados. Inapelavelmente eles, os infames
reacionários, são todos nazistas, fascistas, racistas, machistas, elitistas,
xenofóbicos, homofóbicos, transfóbicos, islamofóbicos, gordofóbicos,
sertanejofóbicos e a lista continua.
(4) Relativização do
mal. Aqui se adota o discurso do “rouba, mas faz o social”. Ora, o mal é o mal.
E esse não se justifica nem sob o pretexto de se fazer um bem ao final. Por
isso mesmo, deve-se retribuir o mal do crime com o mal da pena. Já os petistas
tem tratado certos criminosos condenados pelo Supremo Tribunal Federal como
heróis do povo brasileiro.
(5) Retorno ao fator político. A premissa
oculta jamais demonstrada aqui é a seguinte: todos os problemas tem uma origem
política. Desse modo, cabe ao militante tagarela evitar todas as incômodas
explicações apresentadas pelo interlocutor, sob o pretexto de encontrar a
“causa primeira”, a qual, coincidentemente, será sempre o embate político.
Pouco importa se, no caso concreto, a causa esquerdista foi vitoriosa ou
derrotada; pois se foi vitoriosa, o problema em análise (seja ele qual for)
deriva do revanchismo dos derrotados; e, se foi derrotada, é evidente que ele
deriva, em última instância, dos arroubos ditatoriais e opressores dos
vencedores, que vem colocando em prática sua política elitista e excludente. É
por isso que os petistas costumam começar qualquer análise da crise em que nos
encontramos realçando, enfaticamente, que tudo deriva, em grande medida ou até
mesmo exclusivamente, do acirrado clima de enfrentamento político existente no
Brasil, o que chamam de “terceiro turno eleitoral”. Um petista puro-sangue
beijará a própria nuca antes de assumir, em um debate público, que a crise tem
como causas essenciais o abismo ético e, principalmente, os erros grosseiros
praticados pelo governo federal nos âmbitos econômico e fiscal.
(6) Retorno ao
capitalismo. Quando a estratégia anterior falha, recorre-se à bandeira
preferida dos esquerdistas: o anticapitalismo. Desse modo, se o interlocutor
não acreditar que nossa crise decorre do “terceiro turno eleitoral”, o petista
usará a carta da crise do capitalismo internacional.
Como dito, um militante
pode usar essas artimanhas argumentativas para continuar falando por tempo
indefinido. Exemplificamos. Formaremos frases com a seguinte estrutura: Sujeito
(formado por substantivo e adjetivo) + Verbo + Objeto + Oração subordinada.
Escolha,
aleatoriamente, um dos seguintes substantivos (utilize um dado se quiser): 1. A
elite; 2. A mídia; 3. O tucanato; 4. O empresariado; 5. A classe média ou 6. A
burguesia. Um dos seguintes adjetivos: 1. opressor(a); 2. revanchista; 3.
nazista; 4. raivoso(a); 5. golpista ou 6. reacionário(a). Um dos seguintes
verbos: 1. critica; 2. odeia; 3. ataca; 4. insulta; 5. persegue ou 6.
criminaliza. Escolha, ainda, um dos seguintes objetos: 1. o primeiro governo
popular do Brasil; 2. o partido dos trabalhadores; 3. os movimentos sociais; 4.
o companheiro Lula; 5. a companheira Dilma ou 6. o governo federal. E escolha,
por fim, uma das seguintes orações subordinadas adverbiais causais: 1. por não
aceitar a derrota nas urnas; 2. por não aceitar que o filho da doméstica entre
na universidade; 3. por não querer que pobre ande de avião; 4. porque quer a
volta do regime militar; 5. por acreditar que lugar de pobre é na cadeia ou 6.
por não aceitar que tantos tenham saído da linha da miséria.
Salvo algum erro de
cálculo de nossa parte, esse reduzido vocabulário pode produzir 7.776
diferentes frases. São frases como “O tucanato revanchista criminaliza o
partido dos trabalhadores por não aceitar a derrota nas urnas”. Ora,
considerando uma estimativa de 9s por frase, temos que, apenas com essas
palavras, um petista pode falar ininterruptamente por até 19h e 30min.
No entanto, não se deve
superestimar o real alcance dessa tagarelice. O lenga-lenga esquerdista é como
um leão enjaulado. Ele pode lhe devorar (é dizer, você pode se tornar incapaz
de raciocinar fora desse sistema de respostas prontas), mas apenas se você
entrar na jaula.
A ideologia como um
todo, ela mesma, caminha com passos de tartaruga.
O “voto ideológico”,
por exemplo, é francamente minoritário. É facilmente constatável pela
experiência comum (simplesmente conversando com as pessoas) que a maior parte
dos eleitores do PT não é formada por petistas e a maior parte dos eleitores do
PSDB não é formada por tucanos. A maioria vota em um dado candidato
simplesmente porque avalia que ele é a melhor opção para si. Ou avalia, o que
acreditamos acontecer com maior frequência, que ele é a opção “menos ruim”. Em
suma, a maioria vota movida por interesse próprio. É o caso, por exemplo, de
professores de universidades particulares que votaram na Dilma por acreditarem
que o Aécio reduziria o financiamento estudantil, o que levaria à diminuição do
mercado de trabalho desses profissionais. Longe de serem petistas, esses
estavam apenas desejosos de garantir seus empregos[ii].
Na próxima seção
veremos outro caso em que razões não-ideológicas podem explicar a tomada de
certas posições políticas.
4.
O caso dos ex-jovens militantes petistas
A despeito da expectativa
de inflação crescente[iii], do
aumento da taxa de desemprego[iv], do
estabelecimento de requisitos mais rigorosos para o gozo de certos direitos
trabalhistas[v],
dos cortes orçamentários que atingiram mesmo os programas voltados aos mais
pobres[vi] e da
institucionalização da corrupção
(escancarada na operação lava jato[vii]) a
despeito de tudo isso, surpreendentemente, 9% dos eleitores ainda avaliam o
atual governo com bom ou ótimo[viii].
Como explicar esse
fenômeno? Todos esses que, contra todas as evidências do mundo real, avaliam bem o governo petista seriam pessoas
ideologicamente vinculadas com o petismo? Creio que não. Ora, como dito antes,
entendemos a ideologia como uma proposta de ação política fundada em ideias
abstratas e indemonstráveis. Então, quais seriam as ideias abstratas que
estariam na base do petismo?
Em síntese, a narrativa
messiânica petista descreve o embate político como uma luta do bem contra o mal,
dos pobres contra uma elite branca opressora. E o grupo dos ungidos (liderado
pelos intelectuais bem-nascidos que escolheram o lado certo da batalha) teria
assumido com serenidade e desprendimento pessoal o grave encargo de defender os
pobres. O que só seria possível graças à sua superioridade moral.
É evidente que esse
credo não resiste ao mais singelo teste. Como explicar, por exemplo, que essa
tal "elite branca odienta e antipetista” hoje corresponderia a 68% dos
eleitores? Como explicar o uso, já provado judicialmente na ação criminal do
mensalão, da máquina estatal para desvio de recursos públicos? Como explicar o
conluio, que tem sido esmiuçado pelo Ministério Público Federal na operação
Lava Jato, do partido com as maiores e mais ricas empreiteiras do país?
Por tudo isso, existem
boas razões para se afirmar que a maioria dos antigos petistas ideológicos hoje
são ex-petistas desiludidos.
Creio que nesses 9%
existe sim uma ínfima minoria de petistas ideológicos, mas existem, ainda,
outros diferentes grupos que, somados, são mais expressivos que aquele. É o
caso dos militantes pagos; ou, ainda, dos que ainda estão protegidos das
intempéries econômicas; dos que não se escandalizam com os desvios éticos e dos
que, por haverem abraçado o petismo na primeira juventude, assumindo, desde
então, diversos compromissos com a “causa”, resistem muito em rever suas
posições.
Algo mais deve ser dito
sobre esse último grupo. Tenho em mente, aqui, aqueles que tinham vinte e
poucos anos em 1989 e que marcaram, com o fervor de quem esperou uma vida
inteira para votar para presidente, um X no quadradinho ao lado do 13 nas
eleições daquele ano. De fato, deve ser muito difícil para um homem beirando os
50 anos rever posições assumidas e sustentadas desde a juventude. Deve ser
difícil, para alguém que aos vinte e poucos anos foi às ruas com a bandeira
vermelha, admitir que desde então vem agindo, de livre e espontânea vontade,
como um mero fantoche de um grupo inescrupuloso.
Esses homens maduros
não são mais aqueles ingênuos que assimilaram, mal saídos da puberdade, o mito
fundador petista.
Eles, esses ex-jovens
militantes que hoje estão na faixa dos 50 anos, não mais defendem o PT.
Defendem, creio, a si mesmos; sua própria história. E o fazem com um apego
ferrenho, um compromisso inarredável com seus próprios erros.
Já era incrível que
existissem petistas militantes por convicção no Brasil pós-mensalão. A atual
militância dos "companheiros" durante a operação lava jato, e mesmo
diante da gravidade dos fatos de corrupção até aqui apurados, parece-me, então,
um caso a ser estudado não mais apenas por cientistas políticos, mas também por
psiquiatras.
Amigos petistas, o
Judiciário está constitucionalmente obrigado a só condenar na existência de
provas. Mas isso não significa que vocês estão obrigados a seguir com sua
bandeira em punho até que se comprove cabalmente que todos os petistas do mundo
são bandidos. Que tal ligar o desconfiômetro?
[i] Ver, nesse sentido, a seguinte
manifestação do líder máximo desse partido: “Nunca vi um ódio disseminado, por
um partido político, como o ódio que eu vejo pelo PT. É um negócio que eu não
via nem no tempo do regime militar”. Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/lula-nunca-vi-odio-como-o-que-eu-vejo-pelo-pt-606.html
[ii] O erro dessa avaliação ficou
evidente com poucos meses de governo petista. Ver, a propósito, as seguintes
matérias: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/05/numero-de-novos-contratos-do-fies-caiu-quase-50-entre-2014-e-2015.html
e http://dedecamilosantoantonio.blogspot.com.br/2015/07/ex-professor-confirma-unp-demitiu-mais.html
[iii]
O mercado avalia que a inflação chegará a
9,15% no ano: http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20150717.pdf
[iv]
Que de
dezembro de 2014 a junho de 2015 saltou de 4,3% para 6,9%, segundo o IBGE: ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/2015/pme_201506pubCompleta.pdf
[v]
Falamos
da MP 665/2014, que dificultou o acesso ao seguro-desemprego e ao abono
salarial. Ver mais informações aqui: http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/o-que-muda-com-a-mp-665-8161.html
[vi] http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/03/inadimplencia-motivou-suspensao-do-minha-casa-melhor-diz-dilma-4713068.html
[vii] Ver o seguinte trecho da denúncia do
Ministério Público apresentada conta Marcelo Odebrecht e outros: "Conforme
revelado por PEDRO BARUSCO, tais vantagens indevidas eram pagas a partir de
contratos – e respectivos aditivos – sobrevalorados, firmados pelas
empreiteiras cartelizadas para a execução de obras da PETROBRAS, no interesse
das Diretorias de Abastecimento, Gás e Energia, Exploração e Produção, e pela
própria Diretoria de Serviços chefiada por RENATO DUQUE, sendo que o montante
desviado variava, em regra, entre 1% e 2% do valor total do contrato e
aditivos, podendo ser maior. Metade deste montante de vantagens indevidas era
destinado à “Casa” (RENATO DUQUE e PEDRO BARUSCO) e outra metade destinada ao
Partido dos Trabalhadores." Íntegra da denúncia: http://www.prpr.mpf.mp.br/pdfs/2015-1/lava-jato-1/24-07-Denuncia_Odebrecht.pdf
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