Canários voando sobre o pano de fundo de um céu de
janeiro, às vezes, basta isso para nos alentar se nos pesa uma lágrima não
derramada.
Imaginemos, agora, esses mesmos pássaros presos em
um auditório, a procurar uma saída, inexistente, na luminosa claraboia. Triste espetáculo
a eclipsar o discurso do político tolo.
Nos dois casos, sabemos que eles morrerão, mas só no
primeiro nos deleitamos com sua vida; só no segundo lamentamos, por
antecipação, sua morte.
Se todos os seres são, a um só tempo, viventes e morituros;
então por que em certos contextos nossa sensibilidade capta apenas uma dessas
dimensões?
Seriam aquelas reações (ora encanto, ora desencanto)
arbitrárias?
Ora, os viventes carregam sua morte consigo. Inafastável
bomba-relógio em regressiva contagem. A leveza das asas em voo aberto apenas
nos impede de ouvir o trabalhar do seu maquinismo.
De outro lado, os morituros também gozam a vida e
experimentam os prazeres almejados, ou os que calharam de aparecer. Ou aqueles
e mais esses; ou, ainda, parte daqueles e parte desses em infinitas
combinações. A proximidade de sua morte, quando muito, desbota as cores de sua
alegria, não as apaga.
Ainda assim, seria absurdo se aquelas reações fossem
invertidas.
Talvez devamos voltar nossa atenção não para o que
há de comum, mas para o que distingue as duas situações, o que nos fornecerá a
seguinte explicação óbvia. O primeiro quadro parece-nos bom porque nele vemos
seres livres e que, além disso, possuem um dom que parece ser a própria
essência da liberdade: o de voar. Já no segundo, vemos seres únicos que apenas
se igualam na sua falta de liberdade.
E ao submetermos esse ponto a uma análise mais
detida, encontraremos certos aspectos que talvez ajudem-nos a entender o
especial desconforto da cena dos canários presos na claraboia.
É que eles nutrem a esperança, que sabemos vã, de se
safar fazendo algo que, de acordo com sua experiências anteriores, deveria ser
infalível: voar para o alto, em direção à luz. Esse comportamento instintivo,
em outros contextos uma vantagem, aqui é uma pena de morte, imposta
igualitariamente a todos do bando. Tal como se passa com o anzol, não é o temor
servil, mas o desejo de libertação que garante a eficácia dessa prisão,
conduzindo ao caminho da servidão. Como entenderiam que, para se libertar,
precisariam renegar a luz e voar para baixo em direção à porta por onde
entraram, levados pela curiosidade ou, mais provavelmente, pela fome?
É, arrisco dizer, sua persistente expectativa de
liberdade, atestada pelo contínuo chocar-se com o vidro e pelo bicar e sambar
contra a luz, que nos dói.
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