Alguma Literatura

Alguma Literatura

quinta-feira, 31 de março de 2016

DISCURSO POLÍTICO: FINALIDADE E INCONGRUÊNCIAS


1.      O QUE OS POLÍTICOS NUNCA DIZEM E PORQUE NÃO O FAZEM.

Os candidatos a cargos no Executivo raramente (ou nunca), procuram as câmeras para dizer algo como: “Agora, precisamos fazer X. Eu posso fazê-lo em Y anos, a um custo de Z dinheiros e com o auxílio de A, B e C. Para colocar esse plano em prática, eu peço o seu voto”.
E há motivos para um discurso nesses moldes ser evitado. Vejamos.
Se estivermos diante de uma medida prática cuja necessidade e justiça são aceitas quase consensualmente, o candidato não terá um produto exclusivo a oferecer, eis que, nesse caso, ninguém ousaria propor não fazer X, ou, quando menos, não fazê-lo já, mas depois. Nesse caso, o defensor da medida seria recebido pela audiência aos bocejos.
Mas e se esse não for o caso, e estivermos diante de uma medida que, sendo polêmica, gera uma acentuada divisão na opinião pública, a opor os visceralmente contrários ao grupo dos defensores entusiasmados, ambos ávidos por engajar os indiferentes e indecisos? Bem, nesse caso, o candidato que defendê-la atrairá a antipatia convicta de parcela do eleitorado, que o receberia com sete pedras nas mãos aonde quer que ele fosse.
Indiferença e rejeição, eis o que, muito provavelmente, espera aquele que apresentar um plano prático a uma assembleia popular. E o político, assim como o adolescente apaixonado, não sabe lidar muito bem com a frieza ou o desprezo do ser amado. Mas tratemos, agora, daquilo que os políticos dizem.

2.      NARRATIVA POLÍTICA.

Só podemos compreender bem um texto a partir da compreensão das intenções do seu autor. E cada vírgula dos discursos políticos tem por finalidade obter a adoração e o engajamento dos eleitores. Desse modo, simplifica demais a questão quem afirma que os políticos querem o nosso voto, pois eles querem muito mais do que isso. Almejam por amor incondicional e comprometimento imediato.
É aí que entra o que chamaremos de “narrativa política”: uma interpretação minimamente verossímil do cenário político, que tem por objetivo conferir aos seus caóticos eventos um sentido que favoreça o projeto de poder de um determinado grupo. Quem a formula, portanto, não pretende apresentar uma descrição objetiva da realidade ou um plano prático de ação, mas ganhar o coração e a mente das pessoas comuns. Invariavelmente, as narrativas políticas se apoiam em ideologias. São essas, para muitos, que conferem validade e confiabilidade àquelas.
Pois bem, a narrativa está para um programa prático de ação do mesmo modo que uma campanha publicitária está para o manual de instruções de um produto. Ela, a narrativa, não se apoia no valor “verdade”, mas no “convencimento”, com a finalidade de obter o engajamento. Um homem que toma a narrativa política por uma descrição objetiva da realidade a amparar um programa concreto de ação, assim, é tão insensato quanto aquele que pretende se manter bem informando a respeito dos produtos disponíveis no mercado confiando, exclusivamente, no que lhe dizem os comerciais de TV. O distanciamento eventual entre a narrativa apresentada no período eleitoral e as medidas práticas adotadas após as eleições, desse modo, embora revoltante, não deveria surpreender a ninguém. Mas seria possível evitar esse engodo? Vejamos.

3.      COMO NÃO SER ENGANADO PELOS POLÍTICOS.

O modo mais seguro de o eleitor evitar ser enganado, é forçando o candidato a sair do âmbito das narrativas para entrar no campo das propostas concretas, através de perguntas muito simples e diretas, tais como: Quais são, na opinião do candidato, os problemas do País (Estado ou Município)? Como o candidato pretende abordá-los? Quais são as pessoas que colocarão esse programa em prática (quem serão os ministros ou secretários)? Quais resultados o candidato espera obter com essa abordagem? Quanto isso irá custar aos cofres públicos? Quando os primeiros resultados virão? Como esses resultados poderão ser mensurados e avaliados?
Essas são perguntas que tiram o candidato da sua zona de conforto e, por isso, eles fugirão delas tanto quanto for possível e retornarão prontamente às narrativas políticas.
Mas há de se registrar que nem tudo o que um político diz pode ser enquadrado no conceito de narrativa, tal como o apresentamos aqui.

4.      COMO DEVEMOS OUVIR UM POLÍTICO.

Muitas vezes, ao discursar, o político simplesmente exprime opiniões, desejos ou formula análises descritivas sobre a conjuntura política. Essas opiniões, esses anseios e essas análises, quando emitidos por alguém experiente que muito viu e muito fez, proporcionam ao estudioso um raro vislumbre das ideias políticas dos atores do jogo do poder, dado que pouquíssimos se animam a apresentar formal e cabalmente uma súmula mais ou menos completa de suas ideias políticas.
 Portanto, a tarefa árdua é a de, ao ouvir um discurso, joeirar o que é narrativa política e o que não é. Nesse ponto, surgem diversas questões.

5.      OS MAIORES ENGANADORES ACREDITAM NAS SUAS MENTIRAS.

Como saber se um político, mesmo um que você encontrou na fila do pão, está no modo palanque? E mais, os políticos sairiam, mesmo durante o sono, desse modo? E, de qualquer modo, seria possível fazer essa distinção simplesmente assistindo ao discurso ou lendo o panfleto em busca de incongruências internas ou sutis inflexões que mostrem que o político não acredita nessa ou naquela proposição? Existiriam, por fim, entre os políticos e militantes alguns que foram enganados pela cúpula do partido, que os convenceu da veracidade de um discurso falso criado sob encomenda?
Essas são perguntas difíceis, mas arrisco afirmar que, por mais bizarro que isso possa parecer, o processo mental que leva alguém a acreditar piamente nas próprias ficções, não importando o quão fantasiosas elas sejam, longe de ser raro, talvez seja muito frequente. Talvez, mesmo os ideólogos e os marqueteiros que, diante de uma folha em branco, criaram a narrativa política mais convincente que puderam imaginar, em um segundo momento, passem a acreditar que não existe nada mais preciso, acurado e verdadeiro do que essa narrativa.
Não parece plausível que as estruturas partidárias sejam formadas por dirigentes cínicos no topo e por militantes crédulos na base. Aqueles empenhados em criar os discursos, mesmo sabendo que eles não representam descrições objetivas da realidade, e esses, enganados por aqueles, prontos para disseminar aos quatro cantos a mais nova narrativa que, quentinha, acabou de sair do forno.
Na verdade, a falsidade e a ingenuidade estão igualmente distribuídas ao longo de toda a pirâmide. Todos estão igualmente empenhados em mentir e em acreditar na mentira de outrem ou na sua própria, desde que isso atenda aos interesses do partido.

6.      OS MECANISMOS DE DEFESA DA MILITÂNCIA DESMASCARADA.

É certo que quando a força dos fatos se fizer sentir e a máscara cair, os peões alegarão sua própria ignorância em sua defesa. Eles sustentarão que foram enganados por uma cúpula formada por psicopatas mentirosos, que abusaram da sua boa-fé. E que eles, os peões, não podem ser censurados por haverem acreditado no seu rei, afinal de contas eles só obedeceram a ordens. Eles, os crédulos peões, nada mais seriam do que inocentes cordeiros enganados por inescrupulosas raposas. Embora, na verdade, nem as raposas sejam tão raposas e nem os cordeiros sejam tão cordeiros, curiosamente, quando se exaure o ciclo de poder de um grupo que disseminou a mentira, semelhante linha de defesa tende a ser bem aceita tanto pelos ex-adeptos do partido derrotado como pelos líderes do novo partido que se saiu vitorioso. E a explicação para isso é muito simples: Essa medida (a condenação da cúpula conjugada com a absolvição da massa) é a única que deixa os ex-crentes da fé derrotada em paz com suas consciências ao mesmo tempo em que preserva o dogma da vox Populi, vox dei. As consciências estarão apaziguadas porque a denúncia da perversidade do líder oculta a parcela de maldade que se aninhava no coração de cada um dos seus seguidores; ao passo que o dogma da sacralidade da opinião da maioria restará preservado porque será apresentada a seguinte racionalização: É certo que onde quer que uma maioria decida algo, ela decidirá bem, a não ser que tenha sido enganada sordidamente por manipuladores das multidões.
Mas tratemos da narrativa política petista.

7.      “AZELITE” PETISTA

A narrativa política petista apresenta o jogo político como uma luta do bem contra o mal; dos pobres contra uma elite branca e opressora.
Esse credo não resiste ao mais singelo teste. Como explicar, por exemplo, que essa tal "elite branca odienta e antipetista” hoje corresponderia a 70% dos eleitores? Como explicar o uso, já provado judicialmente na ação criminal do mensalão, da máquina estatal para desvio de recursos públicos em benefício do financiamento de um projeto de poder? Como explicar o conluio, que tem sido esmiuçado na operação Lava Jato, do partido com as maiores e mais ricas empreiteiras do país? Ou a propagação do petismo mesmo no seio da elite do país?

Nesse ponto, cabe ressaltar que não é de hoje que o petismo conta com o apoio de relevantes setores de nossa elite acadêmica, artística, jornalística e empresarial. Ou a elite deixa de ser elite a partir do momento em que simpatiza com o PT?

Nenhum comentário:

Postar um comentário